segunda-feira, outubro 30, 2006

No meu leito tive um sonho...


No meu leito tive um sonho,
um delírio nunca esquecido,
que se passado é,
aqui o sinto, ainda.

Deambulando perdido,
com água me deparo,
e em dois tanques separados,
num a família se banha.

Sem um olhar dirigido,
sinto-me vazio,
viro costas e caminho,
e dum repente, um peso estranho
reclama existência.

Perplexo, nas partes, reparo,
um tumor se apresenta,
e da mente perdido,
num ápice o retiro.

No chão colocado,
envolto em bolsa d'ar,
preenchido por veias e sangue;
e logo choram meus olhos.

A bolsa rebenta, então,
e logo ali ganha vida,
as veias pulsam frenéticas,
e preenchido de sensações,
o devolvo, rápido, a mim.

De novo completo,
as botas ecoam,
por entre o escuro do nada,
parando defronte de estranho ser.

Ancião de enorme paz,
branco de barba e cabelo,
qual Jesus já de velho.
Com asas de Mercúrio na mão,
(talvez S. Pedro de velho),
me acolhe num sorriso.

Dá-me asas para voar!,
assim me dirijo,
e na resposta pronta,
Não precisas, que asas já as tens!

E logo me encontro,
numa estranha liberdade,
e da arte sabido,
sobre os tanques eu pairo,
e ali os deixo sós.

Depois deste sonho,
que ele vos conte algo novo.
Não o que me sopra,
que isso é diferente...



sexta-feira, outubro 27, 2006

Luta interior...



Perco-me por este misterioso caminho
debaixo de uma límpida noite
de lua cheia, reconfortante ou medonha.
Passo por milhares de almas
que se deixam mergulhar
nos felizes sonhos que as acolhem.

E quando o martelar ritmado, frio e calmo
das botas no bruto solo se propaga
e, inaudível a muitos, se aproxima
e, secamente, te encosta o espírito revolto
ao que mais temes e evitas,
sei que hoje lutarás por saber quem sou.

Sais apressadamente,
e em conflito com a tua mente
vagueias, procurando-me,
na tentativa de, ainda, me alcançares.

E sabendo que me procuras,
continuo serenamente,
pelo caminho que agora escolhi,
percorrido por uma leve e fria aragem
de uma maresia nostálgica.

E ao de novo voltar a este paraíso,
aproximo-me da cristalina esmeralda,
que de lânguidas passagens,
finas e transparentes,
torna são o maculado areal revoltado.

Aqui e ali, asilos romanticamente gélidos,
envolvidos por uma penumbra cativante,
onde jovens apaixonados se perdem
nos braços do amante, num apelo ao prazer.

Vendado a tudo isto,
toco a preciosa esmeralda,
que a cada momento me transforma,
e por sobre a acalmada revolta,
estendo o meu devastado ser.

É então que te ouço aproximar,
devagar, mas ainda ofegante.
Vais dando passadas curtas e incertas,
de medo, esperando-me adormecido.

Ajoelhas-te a meu lado
e observas-me atentamente,
como a um bicho nunca antes visto
perante o qual ficamos curiosos e assustados.

Não te vejo,
mas sinto a tua luta interior,
que te vai consumindo por dentro,
sinto a tua mão tremente
a pairar sobre o meu peito sonolento.

É então que me tocas,
primeiro ao de leve,
incrédula por tanta ousadia,
depois, firme e segura,
mas ansiosa pelo meu acordar.

Finjo-me surpreendido,
pois sabia que aqui virias ter.
E agora que neste Éden,
ficamos, finalmente, sós,
recai um silêncio envergonhado sobre nós.

Todas as palavras trazidas no teu coração,
todas aquelas que fizeste por criar e decorar,
para não mais as esqueceres,
foram vãs, estando agora perdidas algures.

Pelas tuas faces, deslizam, suavemente,
pequenas esmeraldas que teimas em esconder.
Esmeraldas de alegria, por me veres,
de raiva, por não teres que dizer,
de espanto, por te amar,
de conforto, por te abraçar.

E ao olharmo-nos,
todas essas palavras esquecidas,
que julgavas importantes,
são pequenas para o que sentimos.

Tudo o que temos a dizer um ao outro,
todas as promessas do nosso futuro,
todo o nosso amor sentido,
encontra-se na simples e silenciosa
troca de olhares.

Aproximas-te ainda mais,
e deixas descair a tua cabeça,
de finos e suaves fios de carvão,
que me arrepiam a cada passagem,
no ombro do, agora, meu revigorado ser.

E ao fascinante sangrar da manhã,
quando tudo acorda
e se prepara para o dia que surge,
adormecemos como duas crianças cansadas,
felizes, de sorriso nos lábios.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Discidium


Amigos ignotos que éramos,
no dia do nosso conhecimento;
acabados na noite utópica,
do mútuo reconhecimento.

Em recusas e perdões,
se firmou esse nós,
que de dias principais,
lhe ficou um só a decorar.

Sem as rimas reconfortantes,
amigas de uma última esperança.
Sem o sabermos como, mentimos;
ambos nos perdemos em lúcida visão.

Foi nessa noite que nasceste,
e nessa noite nos cegaste.
Caminhavas na margem lodosa,
antes de perderes a luta desigual,
que ansiavas, calado.

A noite homicida!
A mesma que me sangrou
e que, agora, saúdo!
Bem aventurada noite!

Sem as rimas reconfortantes,
amigas de uma última esperança.
Sem o sabermos como, mentimos;
ambos nos perdemos em lúcida visão.

A lúcida visão que nos salvou!

Acredita…

segunda-feira, outubro 23, 2006

Não mais...

Que se dane a noite!
Que se dane o dia!
Que se dane tudo isto,
que de nada me valeu!

Ao diabo as insónias tidas!
Ao diabo as dores sofridas!
Ao diabo o relógio amigo,
que de nada me serviram!

Que se esqueça o amor,
de nascença, logo falso!
Que se apodere o ódio,
em tudo, mais leal!

Que todo o peso da cruz,
mil vezes lhe custe!,
que talvez assim aprenda
o valor do que se perdeu!

Nem mais uma noite ou dia!
Que se pare o relógio,
(nem mais uma badalada sufocante!),
que não mais espero,
que à minha vida,
por agora, pertenço completo!

domingo, outubro 22, 2006

Mais uma vez...


Espero mais uma noite,
talvez, de criança, já perdida,
Um cansaço que me assola,
que aceito, longe da razão.

Quedo-me a sós,
mergulhando a vista
num horizonte de breu,
que tenho como amigo
de tempos de memória perdida.

Prometendo-me tudo,
levaste-me ao nada!
Um vazio assustador que restou
que nevoeiro algum acalma!

Oiço o leve restolhar
de sere simunes ao que sinto,
que por ali dançam,
num gozo tremendo que invejo!

Rios de dor nascidos!
Lava de ira expelida!
Uma inutilidade desesperada,
que me preenche, arrebatadora!

De onde estou, fustigado,
vê-se o despontar, madrugador,
de um sol odioso,
que logo o vulcão adormece.

Prometendo-me tudo,
levaste-me ao nada!
Um vazio assustador que restou
que nevoeiro algum acalma!

E espero mais um dia...
Só mais um...

sexta-feira, outubro 20, 2006

Desabafo ou o Pato Escolar (que não queria estudar)

Sou um pequeno pato,
bastante acanhado,
tão pouco alado,
mergulhando num lago.

Passei por minhas irmãs,
graciosas tartarugas...
Pelo chão, espalhadas maçãs;
o amarelar do tempo, vincadas rugas.

Pelas mordeduras do cão,
no caminho, penas que se perdem,
sangue neste corpo glutão,
patas que, por si, já caem.

E por aqui vagueio...
Histeria juvenil pelo pátio,
desta escola de mui asseio,
para meu grande gáudio.

E o ano escolar findou...
O menino finalista, choroso,
na minha frente se quedou,
entristecido pelo seu fim penoso...

- Sorte a tua, velho amigo,
longe de reles e tristes governos,
sem nada para além do teu âmago,
perfeito desconhecido dos infernos!

- Sorte a minha, jovem estudante,
de à panela, cedo, ir parar,
e à ceia, na mesa, estar presente,
perante o vosso célere rezar!


quarta-feira, outubro 18, 2006

Medo...


Medo?
Medo de quê,

se a morte não temo?
Medo de sofrer?

- Certamente!

Escrevi, calorosamente,
palavras de fúria,
de medos de amor...
Menti a quem as leu
e ao poeta que as escreveu.

E nesse rascunhar febril,
mil sentimentos surgiram,
que meu coração não abrigou.
Escritos orgulhosos no sentir,
desprovidos de minha alma.

A procura de um asilo,
a fuga à minha dor,
foi o ter sentido,
para além do permitido.

(Mas que dor essa,
que temerosamente escondida,
já não reconheço,
e se exalta e se impõe?

E se nunca tão sincero fui,
peço sentidas desculpas...
Enganos da minha razão,
que forçaram enganos do coração.

E tu, ó coragem,
que existes ao enfrentar
nossos medos, não o dos outros
és, finalmente, minha...

terça-feira, outubro 17, 2006

Culpa minha?


Que ganas de escrever!,
o que quer que seja,
grande ou pequeno!
Importa que se escreva!

Assisto sentado
sem cá estar!
Esta apatia enerva,
nem um entretém!

Viso o papel
e pego no lápis.
Que raiva de os ter
e de não os usar!

Tento amiúde,
pouco ou nada surge.
Maldito lápis,
que se eu sinto,
é dele a falha!

E se gatafunhos há,
não mais que isso?!
Culpa minha aqui
ou da folha sarapintada?

Minha culpa, talvez.
Não de certo, só talvez!

segunda-feira, outubro 16, 2006

Ilha


Apresentando um exemplo dado no ''Regresso ao Admirável Mundo Novo'', digamos ser um livro explicador, vá lá, do seu antecessor, imaginemos uma ilha na qual vive uma população de indígenas que se mantém num nível constante, ou seja de vinte pessoas. Esta população costuma ser invadida por malária, da qual só os mais fortes geneticamente subsistem a esta, perecendo os mais fracos, funcionando, assim, a epidemia de um certo tipo de controlo da população, pois o número de pessoas mantém-se sensivelmente igual. Tendo-me já adiantado numa das conclusões, passemos a outra parte da história, se assim lhe quisserem chamar, pois bem, imagine-se, uma vez mais, que certos colonos descobriam a ilha e decidiam erradicar a malária daquela ilhota. sim senhor, conseguem o pretendido, mas que acontece a estes indigenas e seus sucessores, todos vacinados contra a malária? Todos sobrevivem, ou grande parte deles, pelo menos; aumenta o número de população, com este facto advém a escassez dos recursos, o que pode levar à morte muitos deles, por inanição, pode também levar a guerras entre eles pela posse de algo, comida, terreno, etc. Assim, impossibilitando a selecção natural, deixou de haver, como que uma raça pura geneticamente, que agora so sobrevive graças a vacinas, pois todos os sucessores dos vacinados terão um fundo genético mais debilitado.

Vens?


Estamos cercados...
Corpos putrefactos,
suspensos na áspera corda
que lhes impede o livre respirar.

Capuzes toldando-lhes a visão,
enganados pelo saber ignorante, ignóbil.
Júbilo dos grandes,
pesares esquecidos, nunca sentidos
dos fantoches.

Doenças devastadoras
maleficamente se propagam!
Somos poucos, somos menos...
É possível!
Indubitavelmente...

Viremos costas,
deixemos para trás
todo o mundo servil,
todo o fel impingido.

Seremos artistas,
loucos e livres...
Para sempre jovens,
para sempre Homens...

Apanhemos o barco
que ruma à vida,
no mar intempestivo.
Levar-nos-á à deserta ilha...

Vens?

domingo, outubro 15, 2006

Surreal


Uma saída imprevista
de amigos e bebida
de contos e espantos,
de horas a falar.

Mil coisas ditas,
mil e uma desconhecidas.
Tanto para um dia
e tão pouco para mim.

Um pequeno crime
ali se passou;
uma certa incerteza
se nós o criámos.

Nesta noite terminei
abandonado, angustiado.
Com tão poucos,
grande fui,
e a sós nada sou.

Morte ao ser
morte a mim.
Corto a pele
e ela chora.

Mas que tristes lágrimas
assim derramadas.
Estanco-as, firme,
e rio-me perdido!

sexta-feira, outubro 13, 2006

Calada Revolta


Arquejante de nada fazer,
levado no caos controlado,
guiado pelo falso querer,
temendo chegar atrasado.

Rios de sangue, em leitos, a escorrer,
no assédio ao poder.
Um punhal de gume afiado
pelo diamante em bruto, não lapidado.

A morte, que antes ausente,
à sua porta se apresenta,
bate calmamente,
muda, mouca e sorridente.

No chão já carcomido,
um corpo inerte estendido.
Tudo o que daí se solta,
para sempre uma calada revolta.

Eterno Retorno


Nietzsche, o filósofo "louco e doente", apresentou uma teoria que ainda hoje é muito falada (temos o exemplo do livro "A insustentável leveza do ser" de Milan Kundera), sendo ela a do "Eterno retorno". Para que se perceba melhor sobre o que se refere, imaginem-se a levar uma vida normalíssima, como a que levam agora, por exemplo. Depois da vossa morte, essa vida que levaram iria repetir-se de novo, em tudo igual à anterior, e assim sucessivamente por tempo infinito. Deste modo, qualquer pequena ou grande acção que tenham feito, estaria para sempre a fazer-se, qualquer oportunidade que tenham perdido, perdê-la-iam sempre.
Obviamente que Nietzsche não considerava que isto acontecesse, pretendia sim que se retirasse desta teoria, se assim lhe pudermos chamar, uma moral, isto é, imaginando que isto na realidade acontecia será que iriam viver do mesmo modo como têm vivido até aqui?
Sinceramente espero que tenham gostado desta teoria e que não a entendam apenas como uma fábula dum homem moribundo, como era considerado. Hei-de apresentar mais umas dele; para já, esta dá que pensar, não?